
O Recôncavo Baiano, uma região composta por 20 cidades, é um verdadeiro celeiro de influências culturais africanas, indígenas e lusitanas. Essa mistura de culturas originou a rica cultura popular do Recôncavo, que é fundamental na formação da identidade cultural brasileira. O samba, um dos maiores patrimônios imateriais do país, teve suas raízes ali. A história do Recôncavo é um mosaico de riquezas culturais, sendo a principal delas a própria cultura e as pessoas que a constroem. As ruas, praças, varandas e quintais das cidades do Recôncavo Baiano são palcos para diversas manifestações culturais. A cultura popular é uma interação contínua entre as pessoas e um complexo contexto histórico e social. Sua decadência pode levar à destruição da identidade de uma região, estado ou país. Universidades e pesquisadores destacam a importância de manter essa cultura, mas não conseguem reproduzi-la, pois a cultura popular é moldada pelo tempo e influências diretas da sociedade e do meio ambiente. Ela protege a história de uma comunidade, suas crenças, saberes seculares, danças, músicas e meio ambiente. Para sua sobrevivência, é essencial preservar hábitos e tradições, desde o som da viola machete do samba chula, a umbigada, até a conservação de pés de biribas para fazer berimbaus de capoeira.
Essas tradições são a base do projeto "J. Velloso e Recôncavo Experimental", que surgiu durante a quarentena provocada pela COVID-19 em março de 2020. A desaceleração forçada inspirou novas parcerias musicais entre J. Velloso e Gustavo Caribé, líder da banda Recôncavo Experimental, de Santo Amaro, que propõe uma contemporaneidade ao samba do Recôncavo como nunca antes visto.
O projeto se desenvolveu de forma natural e despretensiosa, ganhando vida própria e se tornando um experimento sonoro, ideológico e visual baseado nas referências culturais e identitárias do Recôncavo Baiano. Durante a produção, o trabalho se mostrou uma forma de agradecer e homenagear os mestres da cultura popular do Recôncavo, especialmente a toda gente simples e dedicada que movimenta a cultura diariamente, dando identidade à terra.
O projeto aborda manifestações culturais que enfrentam grandes dificuldades para se manter, como as Caretas de Acupe, tradição iniciada para afastar os maus espíritos do local, o Nego Fugido, que denuncia os impactos da escravidão histórica e atual; o Maculelê, que mistura elementos africanos e indígenas; e a Chegança de Saubara, que trata de temas relacionados às navegações. Também explora elementos do candomblé, uma religião de origem africana profundamente presente na Bahia, e claro, o Samba de Roda e o Samba Chula, desenvolvidos pelos negros escravizados, assim como a capoeira.
Reconhecendo a importância de conectar elementos tradicionais e contemporâneos de forma consciente e consistente, o projeto visa aumentar o interesse da juventude pela rica cultura regional do Recôncavo Baiano. Ele destaca a importância desses grupos populares, contribuindo para que sejam devidamente reconhecidos por sua importância social, cultural e transformadora.
O coletivo Recôncavo Experimental surgiu com o desafio de unir ritmos e tradições do Recôncavo Baiano com elementos contemporâneos. Por serem da região, conseguem realizar essa mistura preservando as raízes das tradições, algo essencial para a continuidade das manifestações culturais. A transmissão dessas práticas de geração em geração é vital, mas cada vez mais difícil devido à globalização e à falta de valorização desses grupos, que enfrentam dificuldades financeiras e falta de apoio.
A combinação de J. Velloso com o Recôncavo Experimental é interessante ao juntar a sonoridade característica da banda com a forma de compor de J. Velloso, de duas diferentes gerações, uma ligada à MPB e outra ao pop/rock. Assim, o projeto se propõe a ser global e atemporal: tradição reinventada, contextualizada e customizada!